Por: Jana de Paula
De
Machado de Assis, que escreveu boa parte de sua extensa e imortal obra à pena e
sob a luz de candeeiro ou velas, até agora, são inúmeros os engenhos que
facilitam a vida de quem tem como ofício escrever. O mesmo vale para compositores,
pintores, fotógrafos, cineastas, cartógrafos, projetistas, arquitetos e todo
aquele que cria alguma coisa. Mas, acima e além dos geeks, há a internet para
facilitar a vida de quem tem uma idéia na cabeça. Hoje, não há limites entre a
conclusão de um trabalho e sua publicação e/ou divulgação. E como a Era dos
Mecenas ficou para trás, em geral, quem cria alguma coisa quer ser remunerado
por isso ou, pelo menos, evitar que alguém ‘se remunere’ indevidamente com
alguma idéia que não lhe pertence.
Afinal,
até que ponto um criador garante a ‘propriedade’ de sua criação? Uma obra não
acabada também está protegida? Um criador pode, como fez Machado com a “A Mão e a Luva” ou Dickens com “A Casa Soturna”, publicar em capítulos
sua obra – no caso atual num blog, micro blog, tumblr etc. – e garantir que ela
se mantenha original e, principalmente, sua? E em quê e o quanto a capacidade
de comunicação direta do criador com o público, proporcionada pela interconexão
digital, muda este cenário?
Não há
respostas simples para estas questões. Mas há um dado que surpreende. De acordo
com o advogado Caio Cesar Carvalho Lima, especialista em Direito de TI do escritório Opice
Blum, toda a legislação (Código Penal, Código Civil, Lei
do Direito Autoral etc.) em vigor protege o direito de autor. Tudo o que não estiver
incluído nas chamadas formas lícitas de citação e uso de determinada obra, é
considerado plágio. Qualquer manuscrito serve como obra de autoria, mesmo se um
compositor escreveu sua música num papel de pão, por exemplo. São provas
consideradas autênticas que podem ser e são utilizadas num processo de plágio.
No caso, cabe ao autor original levantar a questão, pois é do autor o ônus da
prova. Mas o fato é que, a partir do momento em que a obra é criada, ela pertence
ao autor. Da mesma forma, a partir do momento em que ela for publicada sua
autoria já passível de defesa. Qualquer violação a isto, exceto, se o próprio
autor colocar por escrito que permite a liberação de sua obra, será considerado
ato ilícito.
Francesca Corrêa, advogada
especialista em Direito Eletrônico e sócia da Construtivo, fornecedora de soluções
em gestão e processos para Engenharia, em artigo publicado no e-Thesis, reforça
que a internet, meio
que facilita a rápida interconexão de pessoas, incentiva os autores de obras
intelectuais a fazer uso desse ambiente para divulgar suas obras.“Ocorre que, na contramão dos fatos, todo esse
desenvolvimento tecnológico tem agravado o uso indevido de conteúdo das obras
literárias no meio eletrônico e, consequentemente, pode-se dar a ideia de
banalização do direito do autor. Ou seja, a proteção dada ao autor e sua à obra
valeria somente no chamado mundo ‘real’”.
Mas, lembra a advogada, a priori, os
direitos do autor têm uma tutela jurídica específica para a relação entre o
autor e a sua obra intelectual, cuja proteção se dá sob o aspecto moral e
patrimonial e, ainda, respalda outros direitos conexos. “Em resumo, os direitos
morais são de caráter pessoal do autor, os quais permitem a ele,
por exemplo, o direito de reivindicar a autoria e a integridade da sua obra, enquanto que os direitos
patrimoniais se referem ao benefício econômico que advém da utilização da obra
intelectual. Já os direitos conexos aos direitos autorais são aqueles
destinados aos artistas, intérpretes ou executantes da obra intelectual do
autor. Exemplo, um intérprete de uma música de Tom Jobim também usufrui de uma
proteção legal sobre a interpretação que foi feita por ele”.
“A Lei
dos Direitos Autorais, nº. 9.610/1998 visa proteger os direitos do autor e a
sua obra independentemente do meio, seja ele virtual ou não. Assim, o meio
eletrônico, no caso em análise a internet, também está contida na esfera de
alcance da lei, devendo a obra intelectual ser amparada juridicamente e, para
tanto, sua utilização por terceiros deve ser feita com autorização expressa e
clara do autor da obra. Caso contrário, resta evidente a violação do direito do
autor”, acrescenta ela.
A
própria internet tende, com o tempo, a modificar o cenário atual. Segundo Iberê
Bandeira de Mello, da BMAA Advogados, “toda nova forma de divulgação de trabalhos ou
opinião demanda a necessidade de adequação do direito existente. A internet
nada mais é que uma forma por vezes mais eficiente e mais ampla de atingir o
público, com maior liberdade criativa e de divulgação. Por conta dessa forma de
divulgação – que antes era exclusiva dos grandes veículos de comunicação – o
Direito Autoral vem sofrendo algumas mudanças na forma de interpretação e
fatalmente sofrerá ainda algumas modificações e adequações, em especial na
forma de cobrança e divulgação”.
O modismo dos marcos regulatórios
Mas, o
especialista adverte contra o surgimento de alguns modismos no que se refere ao
ambiente digital, “de quem não é conhecedor do direito imaginar soluções
mágicas com aparência de efetividade”. Segundo ele, “a última moda são os tais
marcos regulatórios”. Um marco regulatório, como o que está em curso em relação
ao uso de internet no Brasil, lembra ele, nada mais é do que “um conjunto de
leis e regras para determinado setor. Entretanto, o nosso país é um dos maiores
produtores de legislação do mundo. Já está na hora de começar a discussão do
porque as leis atuais não são aplicadas e não o que falta de lei. O problema
maior, em minha opinião, é exatamente esse: até para saber se a Lei de Direitos
Autorais deve ser mudada, a efetividade da sua aplicação deve ser discutida
antes. Não faltam leis, faltam métodos de cobrança da aplicação da Lei”.
O ônus da prova
Parece
que eu estou ouvindo os pensamentos de quem lê este texto e é um criador. A
tradução seria mais ou menos assim: “Entendi. As leis me garantem o direito
moral e patrimonial a minha criação. Mas é a mim que cabe provar que fui
plagiado”. De fato, é assim. Os três advogados que entrevistamos reforçaram o
conceito.
“Essa é
uma das regras mais antigas relacionadas a prova do Direito Civil : quem alega
algo tem que provar. Não poderia ser diferente, me parece. Existe como provar
que determinada obra artística foi plagiada, mas não existe como provar que não
foi plágio. Daí, mudar tal regra sobrecarrega por demais o demandado”, diz
Bandeira de Melo.
“A prova da violação do direito
cabe ao autor da obra, pois essa é a regra geral. Logo, se o autor da obra
intelectual tem o seu direito violado deverá comprovar a existência deste fato,
utilizando-se dos meios de provas admitidos em lei, seja através de depoimento
de testemunhas, perícia, prova documental ou qualquer outra forma admitida
desde que esta não viole os princípios morais e éticos”, acrescenta Corrêa.
“De
fato, o ônus é de quem alega o plágio. Mas, comprovado o ato ilícito, o
plagiador incorre em todas as penalidades previstas”, reforça Carvalho.
Para se
proteger do plágio
Ou seja,
não adianta reclamar. Se você for plagiado terá que provar que é o autor
original. Que o digam professores e alunos das universidades. Tamanho é o
volume de plágio de seus ‘papers’ acadêmicos, que foi do ambiente universitário
que surgiram os diversos aplicativos ‘detectores’ dos plagiadores de plantão.
Hoje,
estes aplicativos (veja link com uma lista deles no final do texto) são uma mão
na roda para quem não abre mão das possibilidades de interconexão
proporcionadas pela grande rede. Que o diga Tagil Oliveira Ramos, verdadeiro simpatizante do relacionamento
direto entre o autor e seu público. O jornalista já tem dois livros publicados,
“Chiclete & Camisinha” e “Crimes do Mosteiro”, e sabe aproveitar as
benesses de estar always on.
Veja seu depoimento:
“Nada é
mais como costumava ser. O direito autoral é inalienável. No entanto, outras
formas de contratos, como o Creative Commons, encontram um meio termo para isso. Nem
tanto ao céu, nem tanto aos advogados. Hoje, há mecanismos para constatar
realmente o plágio, pois tudo é clicável e
comparável. Há aplicativos de
detecção de plágio e fica cada vez mais fácil provar que sua obra foi copiada”.
Para
TOR, como é conhecido, “na era das redes sociais, queremos e precisamos ser
copiados (para sermos divulgados). Mas de uma forma que não prejudique o
ganha-pão do autor. Quando o público faz isso, é louvável. Quando alguém se
aproveita dessa natureza da sociosfera para tirar vantagem, é crime”.
Pontos
controversos
Mas, por
mais que as leis em vigor sejam mais do que suficientes para proteger os
criadores da sanha dos imitadores, há algumas questões ainda em aberto no caso
dos direitos e deveres digitais. Como destaca Bandeira de Mello, “existem
diversas questões relacionadas ao Direito Digital ainda em aberto, mas a
maioria delas se refere ao meio utilizado (se é ou não permitido o email como
meio de prova, a validade da assinatura eletrônica, etc.). A legislação da área
é esparsa, ou seja, se encontra em vários diplomas legais, e por isso torna-se
difícil a aplicação da lei. As questões relacionadas ao Uso da Internet, de
forma geral, são regulamentadas pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil. A
questão do uso de domínio está regulamentado - dentre outros regulamentos -
pela resolução 008/2008”, pondera.
Como você
vê, criador, há mais pontos favoráveis a publicar sua obra, mesmo que ela ainda
não tenha sido registrada na Biblioteca Nacional nem disponha de um número no
ISBN. Muitos criadores trilham este caminho no momento, seja pela dificuldade
em ter seu original aprovado por uma editora (J.K. Rowling, autora da série
Harry Potter, teve os seus originais rejeitados por doze editoras!); seja pela
capacidade de divulgação nas redes, o que tem sido um ponto a incentivar os
agentes literários a vender seu peixe (ou livro, ou foto ou projeto), pois é
muito mais fácil vender alguma coisa que já tem público (ah! Os agentes...);
seja para obter críticas à sua obra em
construção, de modo a aperfeiçoá-la; e até mesmo para conseguir um bom
advogado, caso você não consiga fugir do plágio...
Mas todo
este esforço só vale se for você mesmo o autor da obra. Sim, porque neste
início de milênio há uma forma ascendente de autoria, a chamada “canalização”. Neste
caso, nem tente reivindicar autoria. Faça como Solesky Melchizedek, quando divulga
uma de suas canalizações, insira o seguinte no rodapé:
“Podes compartilhar este artigo de forma aberta, já que não
tem direitos de autor, pois a fonte é Deus. Só agradeceria se incluísses o nome
de quem o canalizou e um link que conduza a página de Solesky Melchizedek, no
Facebook.www.facebook.com/Solesky.itatlan.”
Links úteis